(tenho este texto a marinar há vários meses, pelo que algumas referencias estão um pouco desactualizadas, mas o tema continua a ser actual e pertinente)
Estando envolvido na Orientação há muitos anos e a vários níveis, e desde logo enquanto cartógrafo, acompanhei com interesse as discussões sobre a cartografia, nomeadamente sobre a questão dos detalhes a incluir nos mapas e respectivas escalas. Nesta discussão foram usados alguns argumentos que não considero válidos, pelo que tentarei desmontá-los, apresentando outros que acho verdadeiramente importantes.
Antes de avançar mais quero frisar que esta discussão é da maior importância, e deve prosseguir nos locais devidos, pelo que encorajo o Departamento de Cartografia da FPO a tomar as medidas necessárias para esse fim. Não quero encabeçar um movimento pró “mapas detalhados” ou pró “ampliação das escalas”, mas fico preocupado quando questões complexas são apresentadas de forma parcial e simplista, e já como a solução final.
Vou tentar fazer uma abordagem das questões da forma o mais abrangente possível, tendo em atenção os interesses dos vários intervenientes na nossa modalidade. Eu próprio tenho alguns conflitos de interesse quando penso como cartógrafo, ou penso enquanto Traçador de Percursos, ou ainda enquanto penso como atleta (desculpem usar abusivamente a palavra atleta, e não usar o termo que começa com “Orient” e termina em “ista”, mas não consigo mesmo me habituar e ele ;o).
Faço também uma declaração prévia, assumindo que sou um dos tais cartógrafos, que pratica uma cartografia rica em detalhes. Refiro em minha defesa que é mais fácil, mais rápido e economicamente muito mais rentável fazer mapas simplificados, pelo que, se for esse o rumo que queremos para a nossa modalidade, eu (cartógrafo) só tenho ganhar com isso. Reforço que não sou fundamentalista da pormenorização dos mapas e estou aberto a adaptar a minha forma de cartografar, se em conjunto, e pelas razões certas, entendermos que é isso o melhor para garantir futuro da Orientação.
Uma questão em que certamente todos estamos de acordo, é que o limite para a pormenorização da cartografia, está na garantia de legibilidade do mapa. Claro que este conceito é um pouco relativo, e está desde logo muito condicionado pela acuidade visual dos praticantes. Por uma questão de racionalidade, vou assumir que discutimos um nível de pormenorização, que não compromete a legibilidade.
Irei aproveitar a questão da “cartografia nórdica” levantada pelo recente mapa Bardeira/Gafanhori e respectivos comentários, colocando no outro prato da balança o mapa de Campo de Anta/Oriestarreja e o de Bom Sucesso/ATV, ambos feitos por mim na escala 1:7500, e que são apontados frequentemente como exemplos de mapas carregados de detalhes.
Infelizmente não me foi possível participar na prova do Gafanhori, mas lendo os comentários no Orientovar surgem-me algumas questões:
È referido que por vários atletas, que esta cartografia tornou a Orientação simples, sendo apontado inclusivamente os rápidos tempos realizados por alguns atletas como prova do mérito desta cartografia. Ora todos sabemos que a complexidade do terreno condiciona a exigência técnica dum percurso, mas neste ponto o Traçador tem um papel preponderante. É a ele que compete adequar as exigências técnicas dos percursos aos respectivos atletas a que se destinam.
O que procuramos é Orientação simples e rápida? Eu pela minha parte quero Orientação desafiante e divertida, que permita nos escalões mais competitivos, distinguir os atletas “corredores” dos que sabem se orientar. Os desportos para bater recordes de velocidade são normalmente em pista!
Num mapa com poucos detalhes, o traçador tem escolhas para criar diferentes níveis de exigência? Na minha opinião não tem. A simplificação do mapa implica uma simplificação (redução) dos elementos a usar para colocar os pontos. Enquanto traçador de percursos olho para o mapa de Bardeira e vejo poucas opções de percursos e, enquanto atleta, não desperta o meu interesse.
Em contraponto, olhando para o mapa de Campo de Anta:
Os impressionantes tempos realizados pelos melhores atletas, ainda que em condições climatéricas muito adversas, também podem ser usados para defender uma cartografia mais detalhada.
O vencedor da elite masculina (várias vezes Camp. Mundial Thierry Gueorgiou) no final do evento elegeu este terreno como um dos melhores 20 em que tinha corrido. Penso que posso assumir com legitimidade, que a minha cartografia pelo menos não o estragou muito…
Mapa do Bom Sucesso:
No dia 13 de Fevereiro de 2005, cerca do meio-dia, tinha o Tiago Aires acabado de terminar o seu percurso de estreia no mapa do Bom Sucesso, quando afirmou que era o “melhor mapa de Portugal”. Sei perfeitamente que há que dar um desconto aos desabafos produzidos a quente (que usualmente são negativos claro), mas mesmo assim registei com agrado essa afirmação. Pouco mais tarde em entrevista ao OTV, a Raquel Costa afirmou que “os mapas são muito bons”. Certamente uns dias depois ao escrever o guião desse mesmo OTV, o Manuel Dias referiu o “precioso trabalho dos cartógrafos”. A minha questão é se eles teriam ficado com a mesma opinião, se o mapa fosse de “cartografia nórdica” e cartografado segundo as normas IOF? Vocês querem correr naquele terreno cartografado à escala 1:15000?
Questão das escalas dos mapas.
Como já foi sobejamente referido, as regras da IOF referem que, um terreno que não possa ser cartografado à escala 1:15000, não é adequado para a Orientação, sendo a escala 1:10000 usada apenas nas estafetas e médias e não mais que uma ampliação do mapa 1:15000.
Fazendo uma leitura literal e rigorosa desta regra sou obrigado a concluir que os terrenos que considero melhores para a Orientação, não são adequados para a Orientação! Isso deixa-me, é claro, muito triste.
Claro que Campo de Anta ou Bom Sucesso podem ser cartografados à escala 1:15000. Mas que orientação é possível realizar nesse mapa?
A Orientação é uma modalidade viva e em evolução!
As regras da IOF são destinadas em particular aos eventos IOF (WOC, WC, WRE, WMOC). As regras enquanto estão em vigor são para serem cumpridas, é um facto, mas isso não nos deve impedir de pressionar as mudanças que entendermos necessárias. Mesmo os eventos referidos estão cheios de excepções a essas regras (por ex: recentemente houve provas de dist. Longa em WOC’s na escala 1:10000). Não devemos ficar presos a regras demasiado restritivas, sendo as provas de menor importância, cruciais para novas experimentações. Há 100 anos, as primeiras provas foram na escala 1:100000 e desde sempre houve resistências à ampliação das escalas…
Em conclusão, devemos discutir estes assuntos de forma aberta e sem ideias preconcebidas, não tendo medo de sermos pioneiros, se acharmos que vamos no caminho certo. Embora todos os mapas sejam fruto da interpretação pessoal do cartógrafo, é importante definirmos parâmetros que evitem disparidades exageradas de critérios.