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segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Orientação - Desporto com pés e cabeça?

André... mais um viciado!
Na generalidade dos desportos quando os Deuses são generosos os atletas sorriem e agradecem à Dona Sorte. Na Orientação não! Os praticantes de Orientação ficam fulos se sentem que a sorte teve influência no seu sucesso. As regras internacionais referem explicitamente que os percursos de Orientação têm que ser desenhados de forma a testar as capacidades dos atletas e não a sua sorte!! N verdade nós nem sabemos quem culpar pela existência deste desporto idiota. Os Noruegueses e Suecos reclamam ter inventado a Orientação - a bela arte de nos perdermos (na verdade acho que não passa duma estratégia para nenhum deles assumir as culpas).

Quase todos os fins de semana algumas centenas de pessoas juntam-se, algures no país, com o objectivo de ficarem perdidos, ou pelo menos ligeiramente desorientados, para poderem usufruir do prazer de se relocalizarem. Objectivo similar a bater com a cabeça na parede, para depois sentir o prazer de parar! Armados com um mapa e uma bússola eles partem à descoberta duma dúzia de pontos na floresta, numa espécie de rally pedestre, mas com um papel colorido na mão. Para os pontos de controlo são escolhidos elementos recônditos da área, tais como pedras, colinas, junções de caminhos, vedações, postes de alta tensão ou mesmo uma qualquer árvore isolada. Porque a "tal"  árvore pode parecer exatamente igual à do lado (para o principiante, claro), o traçador de percursos pendura lá um prisma triangular laranja e branco, para que os participantes saibam que a “especial” é mesmo aquela!

Os mapas de Orientação são como as cartas militares, mas feitas para a Rua Sésamo. Para não complicar as nossas cabecinhas, nem é preciso calcular declinações magnéticas para as usar. As "linhas do norte" nos mapas de Orientação são completamente inúteis, quer seja para encontrar o shopping mais próximo ou mesmo o Mosteiro dos Jerónimos, porque na verdade as linhas não apontam o norte! Pelo menos não apontam o Norte verdadeiro. Em vez disso apontam para um ponto inóspito, desolado e assolado pelo vento nas ilhas árticas canadianas - o polo norte magnético! E sim eles cartografam uma ocasional árvore, bem como outros elementos menores com os quais o topógrafo convencional não perderia qualquer tempo, tais como troncos, buracos, formigueiros, bombas de incêndio e manjedouras. Alguns deles com nomes que espantariam qualquer escuteiro, tal como reentrância (um vale), esporão (crista do monte) ou colo (espaço entre colinas).

Para além de usarem um mapa mais detalhado do que o Hansel e a Gretel precisariam para encontrar a sua casa, os praticantes de Orientação até usam bússolas sem marcas de graus, nem rosa-dos-ventos. Eles apenas se preocupam com a localização do norte magnético (lembram-se das ilhas inóspitas?). Armados desse conhecimento exotérico podem orientar (daí o nome do desporto) o seu mapa para o alinhar com o terreno. Então, em vez de ir para o bar ou pastelaria mais próxima, eles desaparecem na floresta à procura dumas marcas laranja e branco, num quadrado com 30 cm e com três lados. Nessa altura vocês pensarão que eles são recompensados pelos seus esforços, com algo saboroso como um ovo da Páscoa ou o pote de ouro no fim do arco-íris. Não, em vez disso, eles enfiam um chip num orifício para provar que estiveram lá. Pois é, eles têm que provar que estiveram lá porque ninguém no seu perfeito juízo alguma vez lá iria. Não estamos a falar apenas de montanhas majestosas, mas sim muitas vezes de autênticos “cus de judas”.

Livres de escolher o trajeto que quiserem, eles frequentemente evitam a opção lógica das estradas ou mesmo dos caminhos. De facto, novamente de acordo com as regras internacionais, os traçadores de percursos esforçam-se por tornar a opção mais rápida, na de mais exigente e difícil navegação. Assim, eles são atraídos para escolherem a linha mais curta entre dois pontos, que passa invariavelmente por declives acentuados e vegetação cerrada e espinhosa, muitas vezes as mal-amadas silvas, conhecidas por não ceder os seus frutos sem dar uma luta sangrenta.

Já mencionei a água? Daquele tipo que a vossa mãe avisou para evitarem quando eram crianças. Charcos, pântanos e lama, carradas de lama. De acordo com a tradição oral, nunca uma prova de Orientação foi cancelada devido ao mau tempo. Sol ou chuva ganha outra importância quando não podes pegar no cesto do picnic e abrigares-te no carro. Reza a lenda, que algures para os lados de Estarreja, até já se realizou uma prova com um incêndio a lavrar na mesma floresta e que mesmo assim só ficaram por controlar os pontos que arderam!

Os percursos dividem-se por níveis de experiência, com uma duração que varia entre 20 e 90 minutos. A única recompensa qe recebes por evoluíres tecnicamente, é que terás que percorrer uma distância cada vez maior! Na Orientação todos têm o mesmo objectivo, que é chegar rapidamente à meta que, para manter a retorcida lógica escandinava, se situa o mais próximo possível da partida! Para além disso, quanto melhor és a nível técnico, menos emocionante se torna a Orientação, já que os pontos não aparecem de surpresa… tu já sabes que eles estão naquele local, ainda antes de os veres. Mais grave ainda é que, em vez de fazeres uma festa ao ver a baliza, como qualquer apaixonado que se preze, ainda nem viste o ponto de controlo e já estarás a pensar no seguinte!

A Orientação é apresentada como o "Desporto com pés e cabeça"! Mas afinal onde é que eles tinham a cabeça?

Se ficaram curiosos para perceber qual as razões que levam estes doidos a voltarem sempre para mais Orientação, podem visitar o site do Académico de Torres Vedras (www.atv.pt) ou o da Federação Portuguesa de Orientação (www.fpo.pt).

Adaptado a partir de um artigo de Robert Miller (USA)

11 comentários:

  1. Boas tardes amigo Sérgio.

    Realmente, como atleta e cartografo entre outras vertentes, ligadas à parte ténica da nossa modalidade, já estava perfeitamente identificado com as tuas qualidades, mas no que à prosa diz respeito, estou agradávelmente surpreendido, e desde já parabéns pelo excelente texto e já agora feliz natal e bom ano para ti e respetiva famelga, e lá nos encontramos em Coruche.

    Mário Duarte

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  2. Excelente texto!

    Atleta - quem ainda não é, quem pensa que já é e quem o é: todos "sentem" e entendem a súmula que aqui está descrita e que retrata perfeitamente o que é a Orientação

    Feliz Natal

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  3. O exercício da ironia não está ao alcance de qualquer um. Que deleite! Parabéns. E obrigado por este princípio de viagem que até já proporcionou o reencontro com esse autêntico cavalheiro chamado Cardoso Ferreira.
    Manel

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  4. Parabéns Companheiro e Amigo. Fantástico! Com a ironia sublime e inteligente a que nos habituaste no dia-a-dia, agora na forma escrita. Tens aqui, como é óbvio...lol...um seguidor deste teu blog. Grande abraço,
    Higino Esteves

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  5. Tento imaginar a narração deste texto acompanhado pelos vídeos certos e acho que ficaríamos com um vídeo de promoção à orientação divinal! :)
    Fica o desafio à nova direcção da FPO!

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  6. Adorei a parte do cús de judas,
    O teu filho André.

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  7. Orientação é arte! :) Boas rubricas, mais uma grande aquisição do www.orioasis.pt. obgd. Paulo Franco

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  8. Uma descrição simplesmente genial...

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