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quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Ainda sou do tempo em que as provas duravam pelo menos duas semanas!

A "tal" palavra é usada aqui, apenas porque estou a gozar com eles claro!
Acalmem-se os acérrimos defensores dos regulamentos, pois na verdade o que se prolongava no tempo, era apenas os efeitos da participação nas provas. Não, não estou a falar das dores musculares, até porque no meu caso, elas têm até vindo a aumentar com o passar dos anos e para além disso não são nada divertidas. Estou a falar duma consequência verdadeiramente interactiva, que permitia prolongar o prazer da prova por largos dias. 
Não adivinharam ainda do que estou a falar? 
Ah! Parece-me que já escutei a resposta certa! Aí ao fundo… sim tu... fala mais alto… não tenhas medo.  Isso mesmo estou a falar dos picos! Claro que tinha que ser um “dinossauro” a adivinhar.

Ah! Quem não se lembra dos belos momentos de pura diversão, diria mesmo de êxtase que usufruíamos nos dias seguintes às provas! As lutas titânicas com um exemplar mais renitente em nos abandonar! Que saudades de terminar as provas com os joelhos a latejar, cravados de brinquedos. Ah… aquele primeiro banho, o ardor lancinante que nos fazia sentir vivos. Qual cereja no topo do bolo, também nessa altura só havia água fria, pelo que o banho era sem duvida o momento alto de todo o dia (quem me conhece sabe que nesta parte dos banhos de água fria, só estou a falar de ouvir dizer).

Claro que os picos não eram todos iguais e haviam alguns mais apreciados que os outros. Os menos valorizados eram aqueles que ficavam com uma parte saída da pele. Esses, embora proporcionassem belos momentos de dor, saíam facilmente pelo que o prazer era de curta duração. Eram do tipo ejaculação precoce… é bom, não foi? Nessa altura era normal ao vestir as calças, ter que ir imediatamente dar caça a um desses malandrecos. 

Depois haviam aqueles que ficavam mesmo à superfície da pele e que já implicavam o uso de técnicas mais elaboradas para a sua extracção. Confesso que nessa altura ponderei seriamente deixar de roer as minhas unhas. Nunca esses apêndices foram tão úteis como nessa tarefa de espremer os picos. Na falta desse recurso, todos tínhamos sempre à mão um alfinete para ser esgrimido, qual bisturi na mão dum experiente cirurgião!

Claro que não me esqueci das coqueluches dos picos: os profundos. Ganharam esse nome não por serem filósofos, mas sim por ficarem cravados profundamente na nossa derme. Estes eram apreciados como verdadeiros troféus, e chegávamos as mostrá-los aos nossos adversários só para lhes fazer inveja. E não estou só a falar apenas de os mostrar cravados, uma vez extraídos, eram também alvo da curiosidade e inveja geral, decorrendo até concursos informais para ver quem tinha um maior. Por vezes a remoção dos "profundos" implicava lutas de vários dias, com múltiplos assaltos. Verdadeiras guerras, com sucessivas batalhas perdidas. Muitas vezes apenas eram vencidos pelo cansaço e com a ajuda dos nossos fluidos corporais, que perante o nosso desespero vinham em nosso auxílio ao fim de alguns dias. Ah! O prazer sublime que era vê-los finalmente emergir! Bem, na verdade era um prazer agri-doce, pois era todo um ciclo de diversão que ali terminava. 

Por último quero falar dum tipo de picos mais raro e também menos divertido. Estou a falar daqueles que cravados profundamente, acabavam por fintar o nosso sistema imunitário e conseguiam ser assimilados, passando a fazer parte de nós. Ainda guardo algumas dessas relíquias, que infelizmente não tive o cuidado de registar a sua origem. Sim… eu sei que alguns de vocês não hesitaram em usar um x-ato, para realizarem verdadeiras operações cirúrgicas de remoção destes picos.

Para além dos critérios acima referidos, os picos também se distinguiam pelo local do corpo onde se cravavam. No meu caso particular o meu joelho direito era o mais vitimizado. Nunca cheguei a perceber bem porquê. Na altura pus a hipótese desse ser o meu joelho de ataque, o qual optava por mandar à frente para romper mato. Hoje tenho outra teoria. Acho que tinha uma predilecção de contornar os tufos de mato pela esquerda, pelo que o joelho direito acabava por ser o mais exposto. Haviam também os que ficavam em locais onde a pele era mais dura, como é o caso da palma das mãos ou da planta dos pés. Decerto que nos aconteceu a todos cair e ao colocar as mãos no chão ficar com elas cravadas de picos! Os que se cravavam nesses locais eram normalmente satisfatoriamente incómodos e costumavam dar bastante luta. 

Ah, mas não pensem que a extracção de picos era uma actividade exclusivamente solitária. Pelo contrário, para além das já referidas cerimónias de comparação havia ainda alguns picos que se cravavam em locais mais remotos do nosso corpo, que só eram possíveis de remover com a ajuda de terceiros. Estes tinham o condão de, para além das inúmeras vantagens já referidas, permitirem reforçar os laços de camaradagem entre os praticantes. Claro que como sempre há excepções, e alguns de nós éramos intrépidos caçadores dos nossos próprios picos, mas não encarávamos com o mesmo agrado a remoção de picos alheios.

Mesmo a forma como os picos saíam das nossas entranhas era diverso. Havia os que emergiam suavemente e os outros: os saltitantes. Estes eram os mais apreciados. Lembro-me que cheguei a pensar propor um sub-disciplina da nossa modalidade: lançamento de picos! Acabei por nunca  avançar com esta proposta, por reconhecer que sendo as casas de banho os locais mais frequentes para a prática deste “desporto”, dificilmente seria possível massificá-lo. Para além dos espaços serem exíguos para a participação simultânea de vários concorrentes, a presença de público estaria fora de questão (sim, sim... também haveria a questão do cheiro). 

No entanto, por essa altura participei no O-Ringen e fiquei muito impressionado! Sim… também com os mapas, os terrenos e os milhares de participantes… mas o que deveras me embasbacou foram as magnificas condições para a prática do lançamento de picos! Ah… como eu invejei aquelas “cagadeiras” comunitárias! Dezenas de praticantes reunidos em posição de tira-picos, naquilo que se me assemelhava a um verdadeiro estádio. Mas este autêntico paraíso desportivo tinha uma lacuna insanável. Não havia “bola”. Quer dizer… não havia picos! Também aqui ficou provado o provérbio popular de que “Deus dá nozes a quem não tem dentes”.

Belos tempos esses em que nem precisávamos de ter revistas na casa de banho, e em que nem estar parado numa fila de trânsito era aborrecido. Levávamos o nosso passatempo preferido sempre connosco para onde quer que fossemos. Estava ali sempre à mão (ou à unha). 

Nessa altura sim… não se justificava a necessidade dos clubes organizadores entregarem lembranças no fim da prova, já que cada um de nós recolhia as suas próprias múltiplas lembranças, durante os percursos. 

Those were the days!

15 comentários:

  1. Pronto... agora que já vos atraí aqui... aproveitem lá para confessar que sentiram umas coceguinhas cerebrais!
    Luís Sérgio

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  2. Fantastico, artigo extenso, mas com vontade de ler até ao fim. Obrigado por esta história. :)

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  3. Como tenho saudades desses tempos ... bem picadinhos... e acho que era um pouco mais nova :-)

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  4. Luís Sérgio,
    Estás a descobrir em ti um escritor e às tantas és o mais surpreendido de todos, não sei. Muito bom!

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  5. Afinal os "homens" também gostam de espremer picos!! e vai-se a ver e é quase o mesmo que espremer pontos negros!! não se percebe tanta crítica ao facto de "mulheres" não resistirem a um, sendo assim... :)

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  6. obrigado... mas escritor é um pouco demais. Até por questão de coerência fiquemos por escritista!

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  7. Caro escritista:
    Obrigado por este pico de imaginação e bom humor.
    Forte abraço e... queremos mais picos!
    JOAQUIM MARGARIDO

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  8. Muito bom! Estou em plena sintonia, até na parte do banho de água fria (e ás vezes morna).
    Tive um pico que ficou no joelho uns 6 meses. Foi uma batalha épica, e ficou na minha mesa de cabeceira uns bons dias. Melhor que qualquer troféu!

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  9. Texto espectacular!

    Mas eu tenho a história do "pico dos picos"!

    Numa prova espetou-se um pico no dedo indicador de uma das mãos (logo acima da unha). Espetou-se em tal sitio e de tal maneira que ficou cravado na unha por baixo da pele. A unha foi crescendo e sido roída até que o pico chegou à ponta da unha e saiu (aos pedaços)...

    Digam lá que não foi um pico tramado...

    Abraço
    RM

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  10. "Ainda sou do tempo..."???? Pois...Pelos vistos devo ser eu que não evoluí nada, é que ainda hoje a única garantia de não ter os ditos amiguinhos na minha companhia durante esse tempo todo é quando não há provas...:-)
    Orientista? Escritista?...muito bom é de certeza, gostei.

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  11. Olá Luis!

    É com curiosidade acrescida que visito o seu blog, porque na prática as histórias que aqui são contadas são divertidas e partilhadas com um humor próprio que o Luis consegue tão bem transmitir. Permita-me um conselho... Opte pela divulgação mais espaçada das histórias, mas sempre que se lembre duma escreva-a logo, com a sua inspiração do momento. Não caia no 'erro' de esgotar rapidamente o decerto largo manancial de momentos vividos e situações à roda da Orientação que ultimamente partilha neste espaço. Faça como na TV, só um episódio por semana, que a malta fica fiel ao horário da 'série'... Parabéns acima de tudo pela leitura e a imagem pictórica que nos dá...

    Nuno Pires

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  12. Boas Luís,

    Depois de no passado sábado, me teres mostrado em Coruche este teu maravilhoso texto, não perdi tempo a voltar a lê-lo com mais calma, e para os mais antigos, quem não se lembra das semanas seguintes a Entre-os-Rios/2º Campeonato Ibérico 1993, o "Belo Tojo Amarelo".

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  13. Também nos “picos” a coisa tem que se lhe diga:
    Havia verdadeiros Cristos que cortavam a meta nas primeiras provas, que foram feitas em Carta Militar – quase cegas na vegetação, outros não havia ainda – estamos a falar do início da década de 80), mas já com uma lógica competitiva dos mapas actuais. Aqui sou do tempo em que ainda não havia FPO.
    Pico a vossa curiosidade se disser que foram eles que acabaram com a mini... As nossas praticantes, poucas à época, em especial as baixas esconderam os seus atributos que vão da bainha da saia ao joelho nas tais semanas do LS.
    Mas, os picos também eram o testemunho de más opções ou, atalhos que visavam recuperar tempo perdido, ou ainda, ratoeiras do mapa e nalguns casos desconhecimento da flora.
    Havia ainda, noutros casos, alguma galhardia, especialmente masculina, nesses emblemas, a “sensibilidade” masculina ainda não colhia na outra metade.
    Por outro lado, os fatos translúcidos, das folhosas caducas, do norte “orientista”, não servem em todo o Portugal, o nosso país é rico em diversidade de relevo e flora - persistente, que persiste em pique (onde carraça pede boleia) à nossa passagem.
    O prazer da extracção é o prazer de “catar”, das teorias evolucionistas.
    A orientação do “Ainda sou do tempo em que…” ainda era familiar e a “catação” seu reflexo, hoje a mesma é mercantilista e os praticantes de orientação são orientistas.
    E, não pico mais as palavras… por ora…
    Dinis Costa

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  14. Ganhei seguramente nesses tempos um novo estilo - deixei de usar saias e passei a apresentar-me sempre coberta até aos pés - independentemente da estação do ano ou temperatura exterior. Até ganhei uma nova forma de apreciação pelos fatos de banho do virar do século (passado)!
    Kátia Almeida

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