Já devem ter percebido que este termo "colas", pretende designar os mamíferos que optam por realizar os seus percursos seguindo outros atletas, em vez de navegar individualmente.
Sei que será uma surpresa, talvez até um choque para muitos de vocês, saberem que em tempos houve praticantes que abdicavam do prazer da Orientação, convertendo as provas em verdadeiros corta-matos, apenas com o objectivo de conseguir obter uma melhor classificação.
Prémios monetários?! Não, nada disso, os prémios eram como agora meramente simbólicos (e também muitas vezes de gosto duvidoso).
Estes seres sempre me intrigaram e fascinaram, pelo que numa tentativa de os compreender melhor, fiz um estudo aprofundado deste ramo humanóide, tendo concluído que se dividiam em três classes distintas:
Colas cooperátis
Estes espécimes eram normalmente encontrados aos pares, embora também tivesse havido alguns avistamentos em bandos (vulgo carneirada). Aplicavam uma técnica conhecida na altura por coopOrientação, que implicava uma permuta contínua de informação em movimento e aproximação em linha (lado a lado mas afastados) às balizas. Por norma esta técnica era aplicada por elementos do mesmo clã e/ou com relações de amizades, mas não era raro ser praticado entre desconhecidos, mesmo que falando línguas diferentes.
Colas parasitus silentius
Embora os silentius fossem autênticos oportunistas, tinham consciência que estavam a fazer algo errado, pelo que mantinham uma postura discreta e silenciosa, havendo até relatos de manifestações de agradecimento na chegada. Existiam dois sub-tipos de silentius: os que apesar de tudo continuavam a olhar para o mapa, tentando acompanhar a progressão, e aqueles que pura e simplesmente guardavam o mapa no bolso (é verdade que alguns ficavam tão cansados, que mesmo que quisessem seriam incapazes de olhar o mapa) e se concentravam apenas na perseguição.
Colas parasitus xattus
Estes eram os mais incómodos, pois tentavam esconder a sua prática condenável, nunca deixando de olhar o mapa (mesmo sem saber onde estavam) e estando sempre a dar palpites (normalmente disparatados) sobre a navegação. Entre eles haviam alguns muito bons fisicamente, que achavam meritório contribuir com incentivos anímicos ao colado, que apenas tinham o condão de provocar irritação. Era frequente que os xattus fizessem um sprint ao avistar a baliza, acabando por serem os primeiros a picar, após o que paravam a consultar atentamente o mapa, acabando curiosa e invariavelmente por escolher a mesma opção do colado. Normalmente eles tinham orgulho no sucesso das suas perseguições e gostavam de partilhar essas façanhas com os amigos.
Felizmente tudo isto não passa duma difusa memória pré-histórica, já que o Orientistis sapiensis se caracteriza por um respeito total pelas regras da modalidade, pondo sempre a justiça desportiva acima dos seus mesquinhos interesses pessoais.
Ah… é verdade! A minha Maria está sempre a reclamar que prometo histórias, mas depois ponho-me só com tretas. Estas duas são para ti fofinha!
A primeira aconteceu num Campeonato das Forças Armadas, acho que em 1993 mas já não me lembro onde foi e aborrece-me ir investigar. Nessa altura eu já era uma “lenda” na Orientação, pelo que era referenciado como um potencial “colado”, sendo por vezes alvo de autenticas esperas, logo no triângulo de partida. Nessa altura, talvez fruto das técnicas aprendidas nos Comandos (entre elas a mítica técnica da Pacaça, que não posso descrever senão depois teria que os eliminar) e uma boa condição física, conseguia por norma despistar os seguidores.
No entanto no segundo dia deste Campeonato, apanhei um atleta da GNR no ponto dois, que se colou com tal empenho e astúcia que não logrei fugir dele. Era claramente um silentius, pelo que o fui tolerando embora acumulando algum desagrado. O pior aconteceu quando chegamos ao ponto 10, onde o meu “colas” foi recebido com surpresa por outro atleta da GNR que estava a picar esse ponto e que tinha partido largos minutos antes dele. Fazendo jus à sua condição de silentius o meu companheiro forçado limitou-se a apontar para mim, deixando claro a quem pertencia o mérito e estendendo logo o convite para ele se juntar a nós.
No entanto no segundo dia deste Campeonato, apanhei um atleta da GNR no ponto dois, que se colou com tal empenho e astúcia que não logrei fugir dele. Era claramente um silentius, pelo que o fui tolerando embora acumulando algum desagrado. O pior aconteceu quando chegamos ao ponto 10, onde o meu “colas” foi recebido com surpresa por outro atleta da GNR que estava a picar esse ponto e que tinha partido largos minutos antes dele. Fazendo jus à sua condição de silentius o meu companheiro forçado limitou-se a apontar para mim, deixando claro a quem pertencia o mérito e estendendo logo o convite para ele se juntar a nós.
Seguimos em patrulha durante mais alguns pontos, até que decidi que se impunham medidas drásticas, para pôr fim ao comboio. Após picar um ponto que ficava perto dum caminho, segui até lá, procurei um local confortável e sentei-me, dizendo-lhes que não saía dali enquanto eles não fossem embora. Tive é claro o cuidado de explicar que lhes bastava seguirem aquele caminho, virar à direita no cruzamento, etc, para irem até ao ponto seguinte.
Durante algum tempo tentaram demover-me (ou seria mover-me? talvez comover-me?), referindo que eu estava a fazer uma excelente prova, bla bla bla. Mantive-me inflexível e eles acabaram por seguir o seu caminho, após o que me atirei a direito pelo mato, acabando por terminar 15 minutos antes deles. Não é para me gabar, mas nesse ano mesmo assim acabei por ser campeão das FA! Que saudades desses tempos… (os nomes dos intervenientes nesta história foram propositadamente omitidos, porque não tenho qualquer interesse em ter problemas com eles).
Durante algum tempo tentaram demover-me (ou seria mover-me? talvez comover-me?), referindo que eu estava a fazer uma excelente prova, bla bla bla. Mantive-me inflexível e eles acabaram por seguir o seu caminho, após o que me atirei a direito pelo mato, acabando por terminar 15 minutos antes deles. Não é para me gabar, mas nesse ano mesmo assim acabei por ser campeão das FA! Que saudades desses tempos… (os nomes dos intervenientes nesta história foram propositadamente omitidos, porque não tenho qualquer interesse em ter problemas com eles).
Acalmem-se que a segunda história é mais breve e apresenta um lado positivo das colas.
Num percurso realizado na Praia da Vieira, apanhei um atleta cuja prova não lhe estava a correr nada bem, que me disse claramente que iria atrás de mim e para eu não lhe ligar. No fim veio ter comigo e agradeceu-me pela sua melhor lição de Orientação de sempre.
A lição deve ter sido mesmo boa, pois agora ele ganha-me sempre!
Este Senhor da Escrita tem o condão de, a brincar, dizer coisas muito sérias.
ResponderEliminarChegado do trabalho, cansado p'ra burro... Obrigado Luís por mais este delicioso momento de puro divertimento.
JOAQUIM MARGARIDO
Espectacular!! De certeza que ao lermos esta "quase-tese" todos fomos capazes de nos sentir dentro das histórias e até de recordarmos semelhantes episódios em que cada um de nós esteve envolvido. Resta saber em que papel... :-)
ResponderEliminarahh.. e a caracterização das classes do "cola" é simplesmente sublime! Proponho contudo que se acrescente talvez não uma classe mas antes um ramo, em que se integram os espécimes cuja caracteristica mais evidente é a de gritarem a plenos pulmões na floresta "viste o 121?"; venham de lá a caraterização e taxonomia...
rc
Estudo antropológico do Orientistis sapiensis (descobri que gosto mais da designação cientifica que da comum começada por "Orien..." e acabada em "tista") de grande relevância cientifica, digno de uma reportagem do Nacional Geographic.
ResponderEliminarNas minhas próprias investigações consegui identificar dois sub-grupos de grande relevância:
1 - Colas parasitus silentius-bufistis, que são aqueles a quem só se ouve a respiração ofegante a escassos metros das nossas orelhas.
2 - Colas parasitus xattus-infidelis - aqueles que mantêm mais do que uma relação parasita ao longo do percurso e mostram com grande orgulho a sua capacidade de escolha da melhor opção parasita para realizar cada "pernada" do percurso, em função das suas características físicas e técnicas.
Um grande abraço
JB
E falta o Colas Intermitentus: espécie que usa corredores pouco velozes como alvo.
ResponderEliminarVêem o oriatleta num ponto, chegam, picam e desatam a correr enquanto o oriatleta recupera o fôlego. Quando chega ao ponto seguinte lá anda ele às voltas e quando o oriatleta se aproxima do ponto, chega primeiro e volta a desaparecer.
Já agora, atrevo-me a sugerir mais um subtipo, que eu e a minha irmã praticámos durante anos, enquanto tentávamos aprender orientação: os falsus cooperatis, ou seja, os que dizem que querem cooperar um com o outro, mas não se conseguem entender e só discutem, passando horas parados a gesticular em todos os cruzamentos! Super-divertido o teu artigo!
ResponderEliminarBoas, amigo Sérgio
ResponderEliminarTambém lá estive, e é sempre bom recordar estas "peripécias".
Próximamente e se me permites, mando-te algumas passadas na nossa pré história.
Abraço Mário Duarte
Muito bom o artigo. Já ágora alguém tem que assumir que já andou à cola. EU JÁ ANDEI. Mas atendendo ao que se ouve por aí (não necessáriamente nestes comentários) nunca ninguém andou a não ser eu, claro. Só que já aqui ando há muitos anos e como já vi de tudo, os dedos de uma mão chegavam para contar o número de atletas que eu nunca vi na cola. Mas quando um dos maiores feitos na orientação portuguesa (final A) foi feito na cola e foi elogiado por todos está tudo dito. Sou só eu...
ResponderEliminarOlá Luis,
ResponderEliminarO que me foste lembrar :) eu há alguns anos quando conheci este desporto que adoro mesmo, tive numa prova de Ori-BTT em Portel uma grande cola, tinha começado nesse ano com o o meu cunhado a sermos Orientistis sapiensis e numa prova em que ele parte 6 minutos antes de mim, eu chego 12 antes dele sem nunca o ter visto em prova ( estávamos com o mesmo percurso ) porque fui "aluno" de um atleta o Luis Sérgio :), bem andei mesmo á tua cola, mas foi divertido nessa prova eheheh
Grande abraço e Obrigado por este blog
Carlos Lourenço
Eh pá! parabens por nos trazeres à lembrança coisa tão giras! Acabamos de ler e começamos a pensar: Que giro! E daquela vez em que ... Oh! A outra ainda foi melhor quando...... Sim? e esta? E...tantas!? só conto esta que é curtinha e já foi há alguns anos. Quer dizer foi só de um ponto ao outro. Saí de um ponto com a minha "cola"(eu não colo!)com o mapa a fazer o pino, entendes? azimute feito, ponto de referência fixado e lá vai (vão) ela(s).. Upss! deveria encontrar agua e só vejo verde, pensei eu. Mais atentamente olho o mapa e lá está a agulha a apontar para sul. Paro, olho, defino nova estratégia de recolocação e a minha cola diz muito atenta: estámos mal, não estamos!? e respondo: Eu estou. Tu, não sei! bjinho. continua que nós gostamos. isildasantos
ResponderEliminarlá vai outra vez quase anonimo, mas hei-de conseguir
Muito muito mordaz e verdade dita. "Mérito desportivo"...
ResponderEliminarSabes que no surfing esta observação se aplica tal qual, mais ainda em competição... <<"colas", pretende designar os mamíferos que optam por realizar os seus percursos seguindo outros atletas, em vez de navegar individualmente>>
O que pensar quando, numa praia deserta, avançamos bravamente e sem hesitar para nos sentarmos num local de ondas óptimas e aparece, completamente por acaso, um sujeito que nos segue... Durante duas horas ou três... Quando há uns 5 locais de ondas boas à vista? Parece quando eramos putos na escola, demoramos que tempos a escolher a rapariga e quando nos movemos todos passam a estar interessados.
Não têm Colas parasitus idiotus? Entre o Colas parasitus xattus (irritantus?) ou este não é fácil distinguir, parecendo-me que alguns, neste meio do surfing, nem têm consciência da estupidez de alguns comentários sobre as ondas, o posicionamento / navegação (não chegam a ter inteligência para uma consciência ética...).
Ou Colas distraídus? Quando, em competição, passamos horas a avaliar a localização e frequência dos elementos, reparamos nos esgroviados na conversa de costas para o mar, entramos e aquele gajo cola-se tanto a nós que nem sabemos o que dizer? Teu comentário aplica-se tal qual, impressionante: <>
Mas queria referir um tipo de parasita que não chateia em competição, mas estorva pelo número:
Serão Colas parasitus confusus? Surgem evidentes quando, num dia com muita gente, nos colocamos 50m mais fora que todos e apanhamos aquela onda que só vem de 10 em 10min; reparamos então que 20 indivíduos nos seguem? Remamos para sul, eles recolocam. Remamos para Norte, eles colocam-se novamente à frente! Alguns nem sabem a quem estão a seguir... É uma chatice, temos de ficar mais dentro, apanhar umas pequenas e esperar que a confusão se reinstale, e dispersem, que o oceano é grande. Ou mudar de local devagarinho, levar o rebanho para lá, e voltar rapidamente para o local certo... Esta espécie tem tendência a andar desgarrada, sei lá no estacionamento, e quando alguém mostra que há um padrão, apanhando as ondas boas de seguida (não podemos atalhar escondidos no mato...), entram no mar numa típica entrada em estádio de futebol, sem bilhete marcado...
Será que nos encontros de orientação esta espécie existe? Talvez sejam aqueles que usam o telemóvel para encontrar o companheiro que tem o mapa...
Abraço, Luis, São e filhotes
A ideia de repescar essa lendas é fenomenal...
ResponderEliminarEmbora eu seja apenas da era dos primatas, conheço alguns desses relatos dos tempos dos dinossauros...
Vem-me agora à memória um relato de um campeonato militar em que a equipa dos organizadores, "estranhamente", teve acesso prévio ao percurso e andou a treinar ferozmente... até o treinador intervir e corrigir um erro de somenos importância: "tinham que treinar do triangulo para os dois círculos" e não "dos 2 círculos para o triângulo"...
Relativamente à espécie dos parasitas, eu atrever-me-ia a propor uma nova caracterização: os "parasitus swingers ou golpistus" que se colam a um atleta "apaixonadamente" até se cruzarem com outro mais "abastado", abandonando o primeiro... e assim sucessivamente até ao final em que obtem melhores resultados do que os colados...
Já agora, modéstia à parte, sou dos que nunca se colaram... para isso, era preciso que conseguisse correr o suficiente para acompanhar alguém no meu escalão... ;)
Tanta modéstia Nuno (tu até nem ganhaste o teu escalão no ano passado... :-)).
ResponderEliminarA minha cola mais memorável de sempre foi feita ao estilo silentius... A única vez que corri no Parque da Cidade do Porto, a coisa até estava a correr bem quando passa por mim o Joaquim Sousa... Faltava para aí 1/3 da prova (curta). Achei que não ia desperdiçar a oportunidade de poder parar de pensar, mas aí a 2 pontos do fim já o Sousa ia uns 100m à minha frente e eu já nem sabia como se respirava... Quando acabei, contente com "a prestação", fiquei espantado a olhar para o split a ver que tinha sido desclassificado... Naquele ponto a 2 do fim quando já só via o Sousa ao longe ele tinha ido para um ponto que não era o meu... Longe estavas tu de saber, Sousa, o que me ensinaste nesse dia... :-)
Esqueci-me de acrescentar: se fizeres uma cola, pelo menos faz a coisa bem feita...
ResponderEliminarColas Parasitus Idiotus, sem dúvida.
Saudações,
Luís Santos
Algures entre 1998 e 2000... "ainda" corria no escalão dos "durões" (isso... esses gajos da Elite) apanhei o gajo, que saíu à minha frente, 3 ou 4 pontos depois da minha partida.
ResponderEliminarEsse "gajo" (pretenso atleta da PSP) era conhecido pelo seu cognome de guerra (isso... o colas). Bom, dito e feito fez jus à sua alcunha e (bom atleta fisicamente que era) não me consegui descolar dele.
Numa determinada pernada que era preciso subir e descer uma pequena colina de eucaliptos novos (a visão reduz-se brutalmente) decidi "atacar" e fugir-lhe...
...consegui (pensava eu) e quando cheguei à estrada de alcatrão o mapa "rodou-me" nas mãos 180º e o Carlinhos virou à esquerda em vez de o fazer à direita e aí vai ele... no entanto o tal colas (com uma visão apurada - porque será que esta espécie vê tão bem?) conseguiu localizar-me (mesmo já a uma distância de 100 ou 200 metros).
Eu (sem me aperceber) continuei a minha navegação... virar à direita na clareira (curioso... as coisas batiam certas), correr pela clareira até à linha de água a cerca de 150m (uppssss! Cadê a linha de água?... e um bosque aqui... não vejo o branco...). parei e 10 a 15 segundos depois percebi o erro... estúpido! Tótó!
Voltei para trás para a estrada. Adivinhem por quem passei a toda a velocidade? Isso... esse gajo mesmo! O tal colas, que me questiona alarmado: «então?» Respondi-lhe: «enganei-me virei o mapa 180º e já venho mal!»
Resposta do "animal" (isso... dele mesmo): «Eh pá! Já me fod%#&$-te a prova! Eu vinha a fazer uma prova espectacular!»
Isso... fiquei com essa expressão de espanto que também tens agora.
Pratiquem desporto. Haja saúde.
Orientação - o desporto na floresta.